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Uma camisa e um fuzil

Embora necessárias ao devido processo penal, as audiências de custódia são eventos mal aproveitados na prática processual brasileira.

18/02/2019 às 08h15, Por Maylla Nunes

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Por Vladimir Aras 

Embora necessárias ao devido processo penal, as audiências de custódia são eventos mal aproveitados na prática processual brasileira.

Além de servirem ao controle da legalidade de flagrantes, tais audiências poderiam ser usadas, por exemplo, para implementar soluções abreviadas no processo, sejam os acordos de não persecução penal (previstos na Resolução 181 do CNMP), sejam os acordos de simples confissão (“plea bargain”), que dependem de previsão em lei.

Nos casos menos graves, tais eventos poderiam servir também para encaminhar procedimentos à Justiça Restaurativa.

Hoje as audiências de custódia têm sofrido fortes críticas de setores da sociedade. Algumas delas têm servido a quê? A decisões descoladas da realidade violenta da criminalidade urbana, especialmente aquela vinculada ao narcotráfico e à atuação de facções criminosas.

Vejam o que ocorreu em Florianópolis em 19 de janeiro de 2019.

Uma juíza soltou um indivíduo que foi preso pela Polícia Militar com um fuzil.

Após negar a conversão do flagrante em prisão preventiva e ordenar a expedição de alvará de soltura com cautelares anódinas, a juíza preocupou-se em determinar ao Comando Geral da PM que justificasse em 48 horas o motivo de o conduzido ter sido apresentado sem camisa…

Portar um fuzil não pesou na decisão da juíza, isto no momento em que o País vive forte polêmica sobre a flexibilização (ou não) das restrições à posse de armas de uso permitido.

No termo de audiência se lê: “o conduzido foi mantido algemado na presente solenidade, visto que há fundado receio de fuga e perigo à integridade física dos presentes, considerado o diminuto espaço físico da sala de audiência e do aparato policial que realiza a escolta, bem como o movimento intenso de pessoas que transitam diariamente por este Fórum.”

Na audiência, havia perigo de fuga e risco aos presentes. O homem ficou algemado por ordem da juíza. Depois milagrosamente estes riscos desapareceram, e o indivíduo foi solto pela mesma juíza.

Felizmente, a reviravolta não tardou. O Ministério Público de Santa Catarina propôs medida cautelar criminal perante o Tribunal de Justiça catarinense contra a decisão de 19 de janeiro, e a desembargadora Bettina Maresch de Moura decretou a prisão preventiva do homem e suspendeu a ordem emitida contra o Comando da PM/SC.

O comandante da Polícia Militar não terá mais de informar à Justiça por que razão Sua Excelência o preso estava sem camisa na audiência de custódia.

Mas seus homens terão de encontrar e perder outra vez o indivíduo que não deveria ter sido solto naquela audiência de custódia.
 

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