Direito Processual Penal

O julgamento de Lula

O ex-presidente Lula foi condenado em ação penal promovida pelo Ministério Publico Federal (MPF) em Curitiba no caso do apartamento triplex do Guarujá, em São Paulo.

18/01/2018 às 11h32, Por Juvenal Martins

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Por Vladimir Aras

1. Introdução

O ano começa com um evento forense antecedido de grande expectativa. A apelação criminal do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva será julgada em Porto Alegre no dia 24 de janeiro, logo após o fim do recesso judiciário.

Não fosse pela pessoa do apelante, um julgamento como este não chamaria a atenção da opinião pública. Todos os dias recursos criminais são julgados por dezenas de tribunais de apelação espalhados pelo País. Salvo as partes e os funcionários da Justiça, quase ninguém fica sabendo. Por outro lado, é natural que o julgamento de um ex-mandatário que dirigiu a Nação por dois mandatos tenha essa repercussão e mereça tanta cobertura.

O ex-presidente Lula foi condenado em ação penal promovida pelo Ministério Publico Federal (MPF) em Curitiba no caso do apartamento triplex do Guarujá, em São Paulo. A denúncia foi apresentada pelo MPF em setembro de 2016. Na sentença condenatória, proferida em julho de 2017, o juiz federal Sérgio Moro julgou a ação penal procedente em parte e aplicou-lhe pena de 9 anos e 6 meses de prisão e multa por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Não conheço o processo e não é minha tarefa nem propósito discutir se o ex-presidente é culpado ou inocente. No entanto, como professor de processo penal e como quem já atuou na jurisdição eleitoral, parece-me interessante destrinchar, estritamente no plano jurídico e de forma didática, o rito processual e o que poderá acontecer se o ex-presidente vier a ser considerado culpado no julgamento em segunda instância a ser realizado daqui a poucos dias, em 24 de janeiro.

Separei a questão em dois tópicos: o primeiro sobre a apelação criminal e as consequências do julgamento no tocante ao direito de liberdade do recorrente. Depois, o tema eleitoral. Vamos ao primeiro item.

2. O direito de recorrer em liberdade

É direito fundamental de toda pessoa condenada por um crime recorrer a um tribunal ou instância superior para revisão de sua condenação. A garantia do duplo grau de jurisdição permite que todas as questões de fato (a narrativa da conduta e as provas consideradas úteis) e de direito (a aplicação da lei) sejam revistas por um órgão judiciário de instância superior, mediante o recurso chamado de apelação criminal.

Quando apenas a defesa recorre, basicamente os resultados esperados são a manutenção da condenação tal como proferida pelo juízo de origem (a quo), ou a redução da pena, ou a absolvição do réu, ou ainda a anulação do processo por alguma falha de procedimento ou por violação a algum direito do acusado.

Se o recurso ao tribunal for apresentado exclusivamente pela defesa, a situação do acusado (chamado de apelante) não poderá ser piorada, devido a um princípio de direito processual penal que proíbe os juízes de instâncias superiores de aumentar a pena do réu, sem que haja também um recurso específico do Ministério Público. A isso se chama non reformatio in pejus.

Nos crimes de competência estadual, os recursos de apelação contra decisões proferidas em primeira instância por juízes de Direito são julgados, em segunda instância, pelos Tribunais de Justiça dos Estados. O Distrito Federal e todos os Estados brasileiros têm os seus tribunais de justiça, sediados nas respectivas capitais. Os recursos contra condenações da Justiça Eleitoral são julgados pelos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE). Também há um em cada unidade federada.

Quando há crimes de competência federal, julgados em primeira instância por juízes federais, o recurso de apelação é endereçado a um dos cinco Tribunais Regionais Federais (TRF) existentes no País, com sedes em Brasília (TRF da 1ª Região), Rio de Janeiro (TRF-2), São Paulo (TRF-3), Porto Alegre (TRF-4) e Recife (TRF-5).

Como a sentença condenatória do ex-presidente Lula foi proferida pela Justiça Federal em Curitiba, o recurso de apelação deve ser julgado pelo TRF da 4ª Região, que tem jurisdição sobre os Estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

No recurso, em regra, o tribunal reexamina todas as questões probatórias e a aplicação da lei, valendo-se da Constituição, dos tratados e da legislação federal em matéria penal e processual penal que seja aplicável ao caso concreto.

No TRF-4, conforme o art. 273 do seu Regimento Interno, nas apelações que resultam em aplicação de pena de reclusão, após o parecer da Procuradoria Regional da República (órgão do MPF em segunda instância), o desembargador relator tem prazo de dez dias para apresentar seu relatório sobre o processo a ser julgado. No mesmo prazo, o desembargador revisor deve pedir dia para julgamento. Com isso, intimadas as partes, o caso está pronto para ser decidido pelo colegiado.

No TRF-4, as apelações são julgadas por turmas de três juízes, chamados desembargadores federais. Os casos relativos à Lava Jato estão vinculados à 8ª Turma, que é formada pelos desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Vítor Luís dos Santos Laus. Perante esse órgão colegiado, funcionam procuradores regionais da República (MPF). O julgamento é público, como ordenam a Constituição e os tratados.

A defesa do ex-presidente estará presente e poderá fazer sustentação oral (arts. 170 e 171 do Regimento Interno), isto é, apresentar argumentos oralmente aos desembargadores, além das razões que já ofereceu por escrito. Se quiser, o MPF também poderá usar essa faculdade. No TRF-4, admite-se até a sustentação oral por videoconferência. O apelante não precisa comparecer ao julgamento.

Em sessão pública, os desembargadores votam e decidem, por unanimidade ou por maioria, em três sentidos básicos: podem dar provimento total à apelação do acusado (aceitação de todos os argumentos defensivos), dar-lhe provimento parcial (acolhimento em parte dos pedidos da defesa) ou negar provimento ao recurso do réu (negativa total de sua pretensão).

Como o MPF também pode recorrer, o julgamento do seu recurso de apelação pode ter desfechos semelhantes. Note-se que a Procuradoria da República em Curitiba interpôs apelação criminal para reforma da sentença e para obter aumento de pena.

Apoiadores e adversários do ex-presidente Lula têm expectativas distintas em relação ao julgamento, que, como vimos, tem dois pontos cruciais. A eventual confirmação da condenação em 24 de janeiro acarretará a prisão imediata do ex-presidente? Tal confirmação impedirá o acusado de candidatar-se a presidente da República em 7 de outubro?

Continuemos com a primeira questão. Vejamos se eventual acórdão condenatório em 24 de janeiro levará o ex-presidente à prisão. Cuida-se aqui do debate sobre a possibilidade ou não de execução penal (cumprimento de pena) após o trânsito em julgado da decisão condenatória em segunda instância.

Como expliquei, nos tribunais regionais federais, os julgamentos das apelações criminais competem às turmas e são decididos por maioria ou por unanimidade (art. 15, inciso II, alínea “a”, do Regimento Interno do TRF-4). Ou seja, as votações possíveis são 2 a 1, ou 3 a 0, num sentido ou noutro. Se tudo correr como previsto no Regimento Interno, no dia 24 de janeiro, saberemos o veredicto da 8ª Turma do TRF-4 sobre o caso do triplex do Guarujá, que pode ser basicamente o que segue:

a) anulação do processo criminal a partir de certo ponto, para que se reinicie dali;
b) absolvição do apelante, o ex-presidente;
c) manutenção da condenação do ex-presidente, mas com redução de pena;
d) manutenção da decisão do juiz Moro tal como proferida em julho de 2017;
e) aumento de pena, tal como pretende o MPF em seu recurso.
Tão logo seja publicado o acórdão da turma, que é o relato do que se passou no julgamento com as conclusões do tribunal, as partes (acusação e defesa) podem opor embargos de declaração, uma espécie de recurso destinado a corrigir contradição, omissão, ambiguidade ou obscuridade (dúvida) da decisão. Esse instrumento está previsto nos arts. 619 e 620 do CPP, e o reexame da decisão é feito pela mesma turma que proferiu o julgamento da apelação. Alguns tribunais admitem que embargos de declaração sejam apresentados diversas e sucessivas vezes no mesmo caso, mas corre-se o risco de que sejam declarados protelatórios e abusivos.

Se o julgamento do tribunal contrário ao réu não for unânime, a defesa – e só a defesa – tem direito a mais um recurso interno, no próprio TRF: os chamados embargos infringentes e de nulidade, que se apoiam no voto divergente (minoritário) para tentar reverter a posição do tribunal. Só os três desembargadores da 8ª Turma votarão na apelação: o relator Gebran, o revisor Paulsen e Laus, como terceiro juiz.

Em Porto Alegre, os embargos infringentes são julgados pela 4ª Seção Criminal, um órgão colegiado criminal mais amplo que reúne os seis juízes da 7ª e da 8ª Turmas do TRF-4 (art. 10, §4º c/c o art. 14, único, “c”, do Regimento Interno). Conforme o parágrafo único, do art. 609 do CPP e o art. 290 do RITRF-4, esse recurso pode ser interposto pela defesa no prazo de dez dias a contar da publicação do acórdão:

Parágrafo único. Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência.

Uma vez publicado o acórdão da 4ª Seção Criminal, a respeito dos embargos infringentes, se ainda desfavorável, a defesa do réu pode opor novos embargos de declaração, se presentes as situações previstas no art. 619 do CPP.

Só após o trânsito em julgado dessas questões na segunda instância (TRF-4) é que se pode cogitar de eventual expedição de mandado de prisão para cumprimento da pena, se pena a cumprir houver. No entanto, o acusado ainda tem direito de lançar mão de recursos aos tribunais superiores, isto é, o recurso especial dirigido ao STJ e o recurso extraordinário endereçado ao STF, sem prejuízo de impetração de habeas corpus contra a decisão final do TRF-4.

Tanto o STF quanto o STJ podem conceder liminar em habeas corpus (HC) ou liminar em recurso em habeas corpus (RHC) ao réu já condenado, o que pode impedir o cumprimento imediato de pena. Há vários casos em que isso aconteceu.

Ao apreciar o Habeas Corpus 126.292/SP, em 2016, o STF passou a permitir que réus condenados sejam presos logo após o julgamento condenatória em segunda instância. Ou seja, uma vez esgotados os recursos criminais ordinários, o tribunal pode ordenar a expedição de mandado de prisão para cumprimento de pena, não se tratando mais de prisão preventiva:

CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE

1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.

2. Habeas corpus denegado. (STF, Pleno, HC 126.292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, j. em 17.02.2016).

Há grande instabilidade dos precedentes do STF quanto a este ponto. Em 2009, no HC 84.078/MG, relatado pelo então ministro Eros Grau, a Corte proibiu esse procedimento, que era adotado havia muitos anos no Brasil. Em 2016, como visto, o Supremo Tribunal voltou atrás, ao julgar o HC 126.292/SP, vindo de São Paulo. Ao longo de 2017, alguns juízes do STF, entre eles o ministro Gilmar Mendes, deram sinais de que revisitariam essa questão, para adotar uma posição mais restritiva, talvez a sugerida pelo ministro Dias Toffoli, de admitir a execução penal (o cumprimento da pena) somente depois do esgotamento dos recursos perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No particular, em casos anteriores, a 8ª Turma do TRF-4, numa postura absolutamente razoável, tem afirmado que a execução penal dita “provisória” somente se iniciará depois de esgotados os recursos ordinários e embargos de declaração no próprio tribunal. Neste sentido:

O enunciado da Súmula 122 deste Regional, aderindo à nova orientação do Supremo Tribunal Federal, autoriza o início da execução penal, uma vez exaurido o duplo grau de jurisdição, assim entendida a entrega de título judicial condenatório, ou confirmatório de decisão dessa natureza de primeiro grau, em relação à qual tenha decorrido, sem manifestação, o prazo para recurso com efeito suspensivo (embargos de declaração/infringentes e de nulidade, quando for cabível) ou, se apresentado, após a conclusão do respectivo julgamento. 6. Desprovimento do apelo. (TRF-4, 8ª Turma, ACR 5029407-32.2015.4.04.7100/RS, Rel. Des. Victor Laus, j. em 13.12.2017).

Assim, pode-se concluir que é absolutamente improvável que o TRF-4 determine a prisão do ex-presidente Lula este mês, se a 8ª Turma proferir julgamento condenatório na sessão de 24 de janeiro.

Se pudesse apostar, minhas fichas iriam para a casa “prisão não será decretada”. Se condenação houver, ainda será necessário aguardar a decisão de eventuais embargos de declaração e de possíveis embargos infringentes, eventos futuros e incertos, relativos a recursos que podem ser utilizados pelas partes, isto é, pelo próprio réu e também pelo Ministério Público Federal.

Mesmo que a condenação do ex-presidente, pelo TRF-4, venha de fato a ocorrer e transite em julgado, a defesa poderá manejar outras medidas cautelares perante o STJ e o STF, para suspender seus efeitos, de modo a postergar o eventual cumprimento de pena de prisão que lhe seja imposta.

3. O tema eleitoral no caso Lula

Agora examinemos o problema sob a ótica do direito eleitoral. Qual o impacto de eventual confirmação da condenação criminal sobre a candidatura de Lula a presidente da República nas eleições de 7 de outubro de 2018?

Muitos creem que a manutenção da condenação de Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na apelação criminal, levará à sua inelegibilidade imediata, sem mais discussões. Pode levar, é claro, como determina a Lei da Ficha Limpa, sancionada em 2010 por ele mesmo, mas não tão rápida e automaticamente como se imagina, sendo possível que o ex-presidente participe de todo o processo eleitoral de 2018.

Para a análise a partir daqui, tomaremos como hipótese a condenação do ex-presidente no TRF-4, após o julgamento de sua apelação criminal, sem prejuízo da apreciação de embargos de declaração e de possíveis embargos infringentes, eventos que ninguém sabe se e quando ocorrerão.

Condenações criminais definitivas ou proferidas por órgão judicial colegiado resultam em inelegibilidade. Lula poderá incidir na alínea “e” do inciso I, do art. 1º da Lei Complementar 64/1990: condenação pela prática de crime contra a Administração Publica proferida por órgão colegiado.

São inelegíveis para qualquer cargo, “os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena”, por crimes contra a Administração Pública e lavagem de dinheiro, por exemplo.

Outros políticos estão em semelhante situação. Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados e responsável pela abertura, tramitação e admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, foi condenado em primeira e segunda instâncias. Em novembro de 2017, o TRF-4 manteve sua condenação por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, reduzindo, porém, sua pena para 14 anos e 6 meses de prisão. O ex-deputado está, portanto, tecnicamente inelegível.

Caso isto venha a ocorrer com o ex-presidente Lula, sua defesa poderá requerer medida cautelar em recurso especial criminal (RESP) perante o STJ ou em recurso extraordinário (RE) perante o STF, para suspender certos efeitos do acórdão condenatório proferido pelo TRF-4, ficando ele livre para registrar sua candidatura perante o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e concorrer à chefia do Poder Executivo Federal no pleito de outubro de 2018.

Tal medida cautelar está prevista no art. 26-C da Lei Complementar 64/1990, que regula as causas de inelegibilidade:

Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.

Este dispositivo foi incluído na legislação pela Lei Complementar n. 135, de 2010, a Lei da Ficha Limpa, e permite que qualquer pessoa condenada obtenha em tribunal superior a suspensão da inelegibilidade, sempre que existir plausibilidade de aceitação pelo tribunal ad quem das teses sustentadas pela defesa no recurso específico. Deve haver fumaça de bom direito (fumus boni iuris) nas alegações apresentadas pelo acusado em seu recurso.

Vide a propósito o AgRg na MC 17133 / MG, julgado pela 1ª Turma do STJ em 2010, da relatoria do ministro Luiz Fux, quando ainda judicava naquela Corte. Esse mesmo tribunal também decidiu neste sentido noutra medida cautelar:

8. A expressão contida no caput do art. 26-C de que o tribunal, no caso o STJ, “poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade” deverá compreendida como a possibilidade de esta Corte, mediante concessão de efeito suspensivo ao recurso especial, ou por outro remédio processual semelhante, suspender os efeitos da condenação de improbidade administrativa, que, pela nova lei, também constitui causa de inelegibilidade. Precedentes: TSE, Consulta n. 1147-09.2010.6.00.0000, Classe 10, Brasília, Distrito Federal, Relator Ministro Arnaldo Versiani; e Supremo Tribunal Federal, Ag 709.634/DF, decisão do monocrática do Ministro Dias Toffoli, DJ de 2 agosto de 2010. (…)

10. A decisão tomada pelo STJ com base no art. 26-C da LC 64/2001 não implica comando judicial que vincule a Justiça Eleitoral ao deferimento do registro da candidatura (não há hierarquia jurisdicional ou funcional entre o TSE e o STJ), mas, sim, importante ato jurídico a respaldar o deferimento dessa pretensão junto à própria Justiça Eleitoral ou, em última análise, ao Supremo Tribunal Federal. (STJ, 1ª Turma, MC 17110/PE, rel. Benedito Gonçalves, j. em 10.08.2010).

Há controvérsia se o relator no tribunal ad quem (que, no RE, é o STF, e, no RESP, o STJ) pode conceder a cautelar do art. 26-C monocraticamente ou se essa decisão cabe ao colegiado. No particular, o eleitoralista José Jairo GOMES ensina:

A competência para a suspensão cautelar foi atribuída ao ‘órgão colegiado‘ a que couber a apreciação do recurso contra as decisões judiciais colegiadas. Se na maioria das situações a competência é do TSE, em alguns casos poderá ser de tribunal não eleitoral. Assim, e. g., na hipótese da alínea e do inciso I do art. 1º da LC n. 64/90, a competência poderá ser: (i) do Superior Tribunal de Justiça, se a decisão recorrida for proferida por Tribunal da Justiça comum (TJ ou TRF); (…) Por expressa previsão legal, a suspensão em tela deve resultar de ato jurisdicional emanado do órgão colegiado competente para rever a decisão colegiada impugnada. De sorte que o relator do recurso no tribunal ad quem, isoladamente, é incompetente para decidir o pedido de suspensão; por ser funcional, a incompetência aí tem caráter absoluto. (GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2016).

No entanto, a Súmula 44 do TSE diz que o disposto no art. 26-C da Lei Complementar 64/1990 “não afasta o poder geral de cautela conferido ao magistrado pelo Código de Processo Civil”, de modo que, nas cortes regionais eleitorais, o relator pode deferir a cautelar monocraticamente.

Contudo, segundo o Superior Tribunal de Justiça, a competência para deferir tal cautelar é do órgão ad quem, e nunca de juiz do órgão colegiado (a quo) que proferiu a decisão da qual se recorre: “(…) apenas a esta Corte caberia o exame, pelo colegiado, da pretensão deferida de sustar a inelegibilidade do condenado” (STJ, Recl. 32.717/TO, rel, min. Néfi Cordeiro, d. em 28.09.2016).

O STF, ainda que não pelo plenário, tem posição semelhante à do STJ. A decisão deve ser colegiada:

Em outras palavras, o órgão competente para examinar esse pedido cautelar é o mesmo que detém competência para processar e julgar o recurso interposto pela defesa contra o acórdão recorrido. Ademais, a lei exige que essa providência seja tomada pelo órgão colegiado, e não por decisão monocrática do Relator. Assim, compete à Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça examinar o requerimento, caso a defesa o tenha postulado no momento da interposição do AREsp 24.088/MT, pendente de apreciação naquele Colegiado.” (STF, HC 113103/MT, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, d. em 12.04.2012).

Seja por decisão monocrática ou por decisão colegiada, tal cautelar viabilizaria o registro da candidatura do ex-presidente, como ocorreria com qualquer político nesta mesma situação. Assim, a medida de urgência prevista no art. 26-C da Lei Complementar 64/1990 suspenderia o efeito eleitoral da condenação criminal pelo TRF-4, tendo também como consequência a aceleração do julgamento do recurso especial (RESP) ou do recurso extraordinário (RE) por ele interposto, que ganhariam prioridade, conforme a mesma lei:

§1º. Conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e de habeas corpus.

Se, ao julgarem o RESP ou o RE, os tribunais superiores mantiverem a condenação que provocou a inelegibilidade do candidato, será desconstituído o registro de sua candidatura ou cassado o seu diploma.

Note-se porém que, antes disto, cabe ao TSE decidir sobre o registro dos candidatos a presidente da República. A medida cautelar do art. 26-C da Lei da Ficha Limpa não determina o registro do candidato; apenas elimina óbice a que esse pedido seja deferido pelo tribunal eleitoral competente, podendo haver impugnação do pedido de registro pelo Ministério Público Eleitoral ou por outros legitimados (candidatos, partidos políticos e coligações), por meio de ação de impugnação de registro de candidatura (AIRC).

4. Conclusão

Concluindo, são estas, a meu ver, as respostas para as duas questões jurídicas que tanto inflamam o País no caso Lula, neste Verão de 2018.

Como consequência do direito à ampla defesa, da presunção de inocência e do devido processo legal,

a) o ex-presidente Lula não será preso nem terá mandado de prisão expedido em seu desfavor por ocasião do julgamento de 24 de janeiro de 2018 pelo TRF-4, mesmo que venha a ser confirmada sua condenação; e

b) o ex-presidente tem mecanismos legais que podem viabilizar juridicamente sua candidatura a um novo mandato presidencial no pleito de 7 de outubro, ainda que sua condenação seja ratificada pelo TRF.

Portanto, o julgamento da apelação criminal do ex-presidente Lula pelo TRF da 4ª Região é só mais um trecho de uma história forense que terá vários capítulos ao longo de 2018, nos tribunais judiciais e nas urnas.

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