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Vítimas duas vezes: mulheres em situação de violência são as que mais perdem seus empregos

A maioria das vítimas ganha mais que o agressor. O prejuízo chega a R$1 bi por ano

18/09/2017 às 11h58, Por Andrea Trindade

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Paula* chefiava um setor em uma grande empresa de Salvador. No trabalho, conheceu seu companheiro, que era subordinado e ganhava menos que ela. Ela relata que o relacionamento dos dois sempre foi marcado por abusos. “Gritos e empurrões faziam parte do nosso dia a dia”, conta. O motivo eram as crises de ciúme do companheiro. Aos poucos, ele a afastou das amigas e amigos e passou a controlar até mesmo a forma como ela se vestia. Com um ano e dois meses de relacionamento, depois de uma crise mais intensa de ciúme, ele espancou Paula, que teve fraturas em várias partes do corpo, e destruiu móveis, roupas e eletrodomésticos da casa, gerando um prejuízo de mais de R$ 20 mil.

No nordeste do Brasil, a perda de renda causada pela violência doméstica chega a quase R$ 1 bi por ano. O caso de Paula ilustra esta realidade. O Ministério Público, por meio do Grupo Especial em Defesa da Mulher e da População LGBT (Gedem) acolhe mulheres em situação de violência doméstica, como Paula, e, além da assistência jurídica e psicológica, oferece cursos e oficinas voltados, especificamente, para a reinserção dessas mulheres no mercado de trabalho, a exemplo da oficina de currículo e do curso de oratória, onde elas reaprendem a se colocar como profissionais e mesmo como interagir em situações aparentemente simples como uma entrevista de emprego.

“Além de capacitá-las tecnicamente, esses cursos resgatam a autoestima dessas mulheres, que se empoderam e voltam a trabalhar, por vezes, até mesmo em áreas que nem sabiam que tinham talento para atuar”, relata a promotora de justiça Lívia Vaz, coordenadora do Gedem.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Maria da Penha, em parceria com o Instituto Avançado de Toulouse, na França, e com a Universidade Federal do Ceará, que entrevistou 10 mil mulheres nas capitais do Nordeste do Brasil, aponta que 27% delas já sofreram algum tipo de violência doméstica emocional, física ou sexual.

O estudo analisou a vida profissional dessas mulheres e constatou que as que passam por situação de violência doméstica ficam 22% menos tempo no emprego do que as que não sofrem violência. Salvador é a capital com os piores números do Brasil. Aqui, a permanência no emprego chega a ser 48% menor entre as mulheres agredidas. Além disso, essas mulheres recebem em média salários 10% menores e chegam a faltar 18 dias por ano aos seus empregos por incapacidade física, psicológica, ou para realizar tratamentos.

Depois das agressões, Paula precisou ficar 140 dias (mais de quatro meses) de licença médica. No trabalho, foi orientada pelo RH da empresa a não contar o que de fato aconteceu para “não prejudicar” o ex-companheiro, que foi promovido pouco depois. Paula voltou ao trabalho e o ex-companheiro continuava lá, apesar da medida protetiva que obrigava ele a manter uma distância mínima de 500 metros dela. A solução encontrada pela empresa foi colocar os dois para trabalharem em turnos distintos. Depois de 12 dias de volta ao emprego, Paula encontrou seu agressor no local trabalho. Quando tentou ir para casa, ele a esperava no estacionamento.

Foi preciso a companhia de um outro colega para que ela fosse embora com segurança. Agora, Paula está desempregada, morando com os pais e ainda não teve sequer sua demissão homologada pela empresa. “Me senti completamente abandonada e vulnerável. Não sei sequer como voltar a trabalhar, Tenho medo de tudo. Felizmente encontrei o Gedem, que frequento ao menos duas vezes por semana, para fazer atendimentos e participar de cursos. O que mais quero é voltar a trabalhar”, afirma. “Como se não bastasse o massacre emocional pelo qual estou passando, ainda me tornei um peso para a minha família, que além de abalada, está mais pobre por conta disso tudo”, afirma Paula sobre a perda de poder aquisitivo da família.

 

*Nome Fictício

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