Bahia

Comitiva baiana conhece unidade prisional sem armas e algemas

Lá não existem agentes penitenciários, armas ou algemas, a gestão é feita de forma compartilhada e o acesso à unidade é controlado pelos próprios presos, chamados de recuperandos.

21/11/2015 às 09h01, Por Maylla Nunes

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A 80 km de Belo Horizonte, na cidade de Itaúna, em Minas Gerais, a realidade das pessoas que cumprem pena na Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac) é muito diferente das tradicionais prisões brasileiras. Lá não existem agentes penitenciários, armas ou algemas, a gestão é feita de forma compartilhada e o acesso à unidade é controlado pelos próprios presos, chamados de recuperandos. Na entrada da unidade, a comitiva baiana formada por representantes do Governo do Estado e de entidades da sociedade civil, foi recepcionada pelo recuperando Roney Santos, responsável pelas chaves que dão acesso à Apac. Sem revista, ou proibição de entrada com celulares e máquinas fotográficas, a comitiva pôde fotografar e filmar durante toda a visita.

Integraram à comitiva baiana, o Secretário de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (Justiça Social), Geraldo Reis, a superintendente de Direitos Humanos da secretaria de Justiça Social, Anhamona de Brito, o Padre José Carlos, Decano do Conselho Estadual de Proteção dos Direitos Humanos, o membro da Pastoral Carcerária, José Silvino Gonçalves, o diretor da Colônia Penal Lafayete Coutinho, José Nilton Santos, a diretora da Superintendência de Educação Básica da secretaria de Educação, Elisete Santana França, o Assessor Parlamentar do mandato do Deputado Bira Corôa, Vivaldo Pereira, o Assessor Parlamentar do mandato do Deputado Marcelino Galo, Caio Bandeira, e a Gerente Geral da AVSI Brasil, Lareyne Almeida.

“O método Apac foi discutido no Conselho Estadual de Proteção dos Direitos Humanos enquanto uma oportunidade de humanização no cumprimento de pena a ser conhecido. A visita à instituição mineira aumenta a nossa responsabilidade frente ao caráter benéfico da proposta, no campo de gestão e, sobretudo, da dignidade humana”, afirmou Anhamona de Brito, superintendente de Direitos Humanos da secretaria de Justiça Social.

No hall de acesso à unidade masculina, de execução de pena em regime fechado, o recuperando Bruno Adriano Barcelar apresentou a estatística da Apac, disponível em um grande quadro. A Apac de Itaúna possui 32 anos, mas esta unidade específica foi fundada em 1997, e completa 18 anos em 2015. Durante este tempo, somam-se 13 anos sem evasão, ou seja, sem ocorrência de danificação do patrimônio ou atentado à integridade física com o objetivo de escapar. São 80 dias sem fuga (quando um detento ludibria a segurança para conseguir sair) e 316 dias sem abandono (quando o recuperando em regime semi-aberto não retorna do trabalho em área externa). Nestes dois últimos casos, as taxas de retorno estão acima de 90%, a maioria trazida de volta à Apac pela própria família.

“Quando começamos a Apac em Itaúna a rejeição da comunidade era geral, entretanto, uma pesquisa realizada recentemente mostrou que 53% dos entrevistados aprovam totalmente o modelo apaqueano, 32% aprovam parcialmente, 13% não souberam opinar e apenas 2% não aprovaram, isso nos dá uma taxa de aprovação de 85%. A comunidade hoje entende a importância da Apac para a construção de uma paz social”, disse o Juiz da 1ª Vara de Execuções Penais de Itaúna, Paulo Antônio de Carvalho.

Os índices de reincidência dos prisioneiros do sistema comum em relação às Apacs são também impressionantes. Enquanto nas tradicionais cadeias, 85% voltam à prática do crime, nas Apacs, este número está abaixo de 15%. Em Minas Gerais, atualmente funcionam 43 Apacs, no Brasil já são 100 unidades em funcionamento, e países como Alemanha, Bruxelas e Noruega já importaram esta metodologia de recuperação de presos.

O custo para manutenção das unidades é outro ponto vantajoso em relação ao sistema prisional comum. Enquanto nas cadeias o custo per capita dos presos é de cinco salários mínimos, nas Apacs é de 1,5. Barcelar informa, orgulhoso, que 90% do trabalho na Apac é realizado pelos próprios recuperandos: atividades administrativas (como gerenciamento das solicitações internas que vão desde a solicitação de atendimento jurídico, médico e odontológico, até a autorização para assistir TV), serviços de barbearia, relações públicas, laborterapia, artesanato, padaria social, biblioteca, marcenaria, serralheria, cozinha, horta, e trabalho remunerado para empresas parceiras da unidade, como uma empresa automotiva e uma fábrica de velas. “O trabalho é importante para remissão de pena, a cada três dias de trabalho, é reduzido um dia de pena”, explica.

A unidade possui 15 celas, que mais parecem quartos, com apenas quatro camas cada. A cela 16 é a única com dez camas. Barcelar faz questão de informar que a medida foi adotada em 2007, quando a Lei de Execução Penal passou a exigir que 1/5 da pena para crimes hediondos fosse cumprida em regime fechado, o que aumentou a demanda na unidade. Nas Apacs não há super-lotação, na unidade masculina de regime fechado são 70 vagas, no geral (regimes aberto, semi-aberto e fechado), a unidade masculina possui 175 detentos e a feminina 41, com um total de 216 presos na Apac de Itaúna.

Para o Juiz Paulo Carvalho, o ato de entregar os presos para a Apac, em 1983, foi um ato de ousadia, em um momento de comoção pública, após uma rebelião que destruiu o presídio local. “Ao longo desses anos ampliamos o número de recuperandos de 100 para quase 3000 em todo país, se conseguirmos manter essa projeção nos próximos anos, alcançaremos mais de 40 mil recuperandos atendidos pelo modelo apaqueano, um número bastante significativo” afirmou o Juiz.

A Apac é para todos, mas nem todos são para a Apac

Para conquistar um lugar na Apac, o detento deve, antes de tudo, querer mudar de vida, “matar o criminoso e salvar o homem”, como preconiza a cartilha apaquiana. Não há critérios por crimes cometidos, condenados por tráfico, assalto, latrocínio, homicídio e estupro cumprem pena nas Apacs. Uma das regras estabelecidas pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais é que o condenado cumpra pelo menos um ano da pena no sistema comum. Precisa, ainda, ser autorizado pelo juiz da Vara de Execuções Penais, passar por entrevistas e palestras e cumprir regras rígidas de disciplina. Drogas e bebidas são extremamente proibidas e a fiscalização é feita pelos próprios detentos, que se revezam no controle da CSS (Comissão de Sinceridade e Solidariedade).

Toda Apac tem um regulamento disciplinar a ser seguido, e as faltas são tratadas por medidas disciplinares. As faltas leves, como o não uso do crachá e a não participação nas atividades, são resolvidas pelos recuperandos membros da CSS. As faltas médias são administradas pela direção da unidade, e as graves, como o uso de drogas ou tentativa de fuga, são resolvidas pelo Juiz e podem resultar no retorno do detento ao sistema prisional comum. Das faltas cometidas na unidade de Itaúna, 85% cabem aos recuperandos resolver, 10% à direção e 5% ao Juiz.

O advogado e teólogo Valdeci Antônio Ferreira, diretor executivo da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), entidade responsável pela orientação, fiscalização e uniformidade das Apacs do Brasil, explica que os 12 elementos trabalhados na Apac (participação da comunidade, recuperando ajudando recuperando, trabalho, religião, assistência jurídica, assistência à saúde, valorização humana, família, voluntário e sua formação, centro de reintegração social, mérito e jornada de libertação com cristo), foram construídos junto com os presos. “A FBAC é o principal parceiro das Apacs, desde o seu nascimento, com a realização das audiências públicas e os seminários de conscientização da comunidade, até a entrada e o processo de ressocialização dos presos, garantindo a qualidade do método Apac”, afirmou, ressaltando que são 43 anos de estudo, construção e evolução da metodologia apaqueana.

Programa Novos Rumos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) criou, em 2001, o Programa Novos Rumos, referência nacional por suas ações em favor da humanização da pena, da inclusão e da justiça social. O programa é coordenado pelos Desembargadores Jarbas Ladeira e José Antônio Braga, e é o ponto de partida para a implantação de uma unidade Apac. “A Apac é uma alternativa mais humana para o tratamento penitenciário. Os próprios apenados são corresponsáveis pela sua recuperação e têm assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica prestada pela comunidade. O método baseia-se em uma disciplina rígida, caracterizada por respeito, ordem, trabalho e envolvimento da família do sentenciado”, explicou o Desembargador Jarbas Ladeira.

Ele salientou ainda que as Apacs são uma boa política pública por pelo menos cinco motivos: ausência de motins ou rebeliões, reincidência dos apenados inferior a 15%, inexistência de assassinatos, baixo custo das construções e baixo custo de manutenção. Formada por uma entidade civil, o modelo Apaqueano dedica-se à recuperação e reinserção social dos condenados a penas privativas de liberdade, através de uma metodologia de valorização humana. Para o secretário Geraldo Reis, da pasta da Justiça Social, “esta é uma oportunidade para impulsionar a criação de uma unidade piloto na Bahia, a partir dessas experiências bem sucedidas”.

Parceira do Programa Novos Rumos, A AVSI Brasil há cinco anos presta apoio às Apacs na gestão administrativa, formação profissional com plano de negócios para vendas e aprovação de convênios junto a União Europeia para criação de novas unidades da Apac. Integrante da comitiva baiana, a Gerente Geral da Avsi Brasil, Lareyne Almeida, informou a aprovação pela União Européia de convênios para criação de Apacs em seis Unidades da Federação. A perspectiva do grupo é que a Bahia se insira entre estes estados.

Assembleia Legislativa de Minas é parceira da Apac

A comitiva baiana também se reuniu com o Deputado Estadual e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Durval Ângelo Andrade, autor do livro "Apac, a Face Humana da Prisão". Para o deputado, não existe Apac sem a participação da comunidade: "você não faz Apac sem o trabalho voluntário, sem gente abnegada, o modelo só funciona com o envolvimento da sociedade", afirmou. O deputado explicou ainda que a parceria entre a Assembleia Legislativa e as Apacs mineiras data de mais de 20 anos, e a Lei de Execução Penal do Estado permitiu a efetivação de convênios com entidades sem fins lucrativos,essencial ao modelo Apaqueano, e, posteriormente, ser transformado em programa.

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