Cooperação internacional

Estudos sobre extradição (10): extradição temporária

É também chamada de extradição temporária.

20/09/2014 às 06h43, Por Juvenal Martins

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Por Vladimir Aras

A extradição condicional de nacionais é aquela concedida com a condição de, após o julgamento, devolver-se o indivíduo extraditado para cumprimento da pena no país de sua nacionalidade. É também chamada de extradição temporária.

Assim, um brasileiro nato pode vir a ser extraditado para o exterior, para lá ser julgado por um crime qualquer, sob a condição de o governo do Estado requerente restituir o acusado ao Brasil, tão logo seja concluído o julgamento no território do Estado requerente. A pena aplicada lá fora seria cumprida no Brasil, na forma da Lei de Execução Penal brasileira (Lei 7.210/1984), ou no modo indicado no tratado de transferência de condenados ou num acordo ad hoc.

A alternativa da extradição temporária ou condicional está prevista, por exemplo, no artigo 44, §12, da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC) e no artigo 16, §11, da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (UNTOC). Transcrevo ambos:

UNCAC

Art. 44. Extradição.

12 — Sempre que um Estado Parte, por força do seu direito interno, apenas estiver autorizado a extraditar ou, por qualquer outra forma, entregar um dos seus cidadãos na condição de que essa pessoa seja restituída ao mesmo Estado Parte para cumprir a pena a que tenha sido condenada na sequência do processo ou do procedimento que originou o pedido de extradição ou de entrega, e quando este Estado Parte e o Estado Parte requerente concordarem em relação a essa opção e a outras condições que considerem apropriadas, a extradição ou entrega condicional será suficiente para dar cumprimento à obrigação contida no n.o 11 do presente artigo.

UNTOC

Art. 16. Extradição.

[…]

11. Quando um Estado Parte, por força do seu direito interno, só estiver autorizado a extraditar ou, por qualquer outra forma, entregar um dos seus cidadãos na condição de que essa pessoa retorne seguidamente ao mesmo Estado Parte para cumprir a pena a que tenha sido condenada na seqüência do processo ou do procedimento que originou o pedido de extradição ou de entrega, e quando este Estado Parte e o Estado Parte requerente concordarem em relação a essa opção e a outras condições que considerem apropriadas, a extradição ou entrega condicional será suficiente para dar cumprimento à obrigação enunciada no parágrafo 10 do presente Artigo.

É possível compatibilizar inteiramente a extradição condicional (temporária) de brasileiros com o artigo 5º, inciso LI, da Constituição, uma vez que sua finalidade é exatamente lidar com a regra da inextraditabilidade de nacionais.

Embora limitada pelo art. 9º do CP para os fins de reparação do dano e cumprimento de medida de segurança, a execução de sentenças penais estrangeiras no Brasil tem ocorrido rotineiramente de forma mais ampla, para fins humanitários e sem prévia homologação perante o STJ (art. 105, inciso I, alínea `i`, CF), simplesmente com base nos acordos bilaterais (atualmente onze) e nos dois tratados multilaterais (no âmbito da OEA e da CPLP) firmados pelo País para a transferência de condenados, a saber:

Argentina (Decreto 3.875/2001)
Bolívia (Decreto 6.128/2007)
Canadá (Decreto n. 2.547/1998)
Chile (Decreto n. 3.002/1999)
Espanha (Decreto n. 2.576/1998)
Panamá (Decreto n. 8.050/2013)
Paraguai (Decreto n. 4.443/2002)
Peru (Decreto 5.931/2006)
Países Baixos (Decreto 7.906/2013)
Portugal (Decreto 5.767/2006)
Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte (Decreto n. 4.107/2002)

Na OEA, vigora a Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças Penais no Exterior (Convenção de Manágua de 1993), promulgada pelo Decreto 5.919/2006. Já no espaço comunitário da CPLP, que congrega Brasil, Portugal, Timor-Leste e os 6 PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), tem força a Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (Convenção da Praia, de 2005), aqui promulgada pelo Decreto n. 8.049/2013.

Embora a transferência de condenados e a extradição temporária sejam institutos jurídicos diferentes, no final das contas a situação da pessoa extraditada temporariamente do Brasil para o país onde cometeu um crime seria em quase tudo semelhante à situação de outro brasileiro que tivesse cometido um crime no exterior e fosse lá processado, condenado e ao final transferido para execução penal em seu país de origem.

A diferença substancial entre uma e outra figura está em que a extradição temporária é medida compulsória de cooperação internacional, ao passo que a transferência de condenados é medida voluntária, pois depende da concordância do apenado e só se justifica para fins humanitários, pois se presta a levar o sentenciado a cumprir sua pena no país de sua nacionalidade ou de sua residência habitual.

Berço de nossa cultura jurídica, Portugal flexibilizou a exceção de nacionalidade e introduziu em seu ordenamento a extradição temporária de nacionais. A quarta revisão constitucional, promovida pela Lei Constitucional n. 1, de 20 de setembro de 1997, alterou o artigo 33 da Constituição da República Portuguesa, de 1976, que passou a permitir a extradição de cidadãos portugueses, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requerente consagre as garantias do devido processo legal, sem prejuízo da aplicação das normas de cooperação jurídica em matéria penal em vigor na União Europeia.

Tal franquia constitucional foi regulamentada pelo artigo 32 do Decret0-lei n. 144/1999 (Lei de Cooperação Jurídica Internacional), segundo o qual é admissível a extradição de cidadãos portugueses desde que a extradição de nacionais esteja estabelecida em tratado de que Portugal seja parte; os fatos configurem casos de terrorismo ou criminalidade transnacional organizada; e a ordem jurídica do Estado requerente consagre garantias do devido processo legal, previstas na Convenção Europeia de Direitos Humanos e noutros instrumentos internacionais relevantes ratificados por Portugal.

Contudo, a extradição de um cidadão português apenas terá lugar para fins de procedimento penal e se o Estado requerente garantir a devolução da pessoa extraditada a Portugal, para o cumprimento da pena ou da medida que lhe for aplicada, salvo se essa pessoa se opuser à sua própria devolução por declaração expressa.

Dadas as semelhanças entre a ordem constitucional portuguesa e a brasileira, inclusive quanto às cláusulas pétreas (art. 60, §4º, da CF/1988), ou limites materiais de revisão (previstos no art. 288 da Constituição Portuguesa de 1976), seria perfeitamente possível uma emenda à Constituição brasileira similar à que se deu em Portugal em 1997, guardado o trinômio: dever de colaborar para a persecução de conduta ilícita cometida no estrangeiro; devido processo legal penal e julgamento no exterior; cumprimento da pena no Brasil, em caso de condenação.

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